- Texto publicado na revista Placar em 2005*
"NÃO ME CONSIDERO TUDO ISSO”Dia 15 de julho de 2005. Um dia após a conquista do Tri da Libertadores pelo São Paulo, a imprensa uruguaia destacava em suas manchetes:”Lugano: o rei da América”. Era a prova definitiva da importância do zagueiro dentro da equipe tricolor e, por conseqüência, para o selecionado de seus país, que briga para conseguir uma vaga na Copa do Mundo de 2006.
A imagem da gratidão dos são-paulinos podia ser vista de vários pontos da arquibancada do Morumbi. Nem todas as bandeiras ali hasteadas eram tricolores. Intrusas celestes chamaram a atenção do zagueiro durante a volta olímpica, instantes depois do apito final do juiz. Lugano, emocionado, pediu a um torcedor que lhe emprestasse o pedaço de pano com a estampa uruguaia para completar aquele pequeno percurso da vitória. E nunca mais a devolveu. “Olhava para a torcida e via várias pessoas com bandeiras do Uruguai. Pedi uma e nunca mais consegui entregá-la de volta. Está lá em casa, bem guardada”, conta o zagueiro.
O histórico dos uruguaios que passaram pelo tricolor sempre foi positivo. Depois de Dario Pereyra, Pablo Forlan e Pedro Rocha, Diego Lugano aterrisou no São Paulo para continuar dando linhas para a escrita de sucesso de seus compatriotas. Mas o zagueiro lembra que seu começo foi bem mais difícil que os demais. “Eu comecei perdendo por 2 a 0. Eles todos chegaram com status de craque, assim como o Gamarra chegou no Palmeiras e o Tevez no Corinthians. Eu não. Pra mim foi tudo mais difícil”, explicou.
Em 2003, quando foi anunciado, Lugano foi recebido com olhares de desconfiança, afinal, foi contratado por indicação do presidente do clube, Marcelo Portugal Gouvêa, sem ter sido visto atuando uma única vez. Depois do início esquisito, sofreu ainda para conquistar a camisa de titular. Oswaldo de Oliveira mal olhou para o uruguaio e Cuca demorou para se render à eficiência do jogador. E se Diego Lugano começou no Morumbi perdendo, a virada deste jogou terminou em goleada. Na loteria do futebol, podemos dizer que o São Paulo ganhou.
O carinho da torcida o uruguaio não demorou para conquistar. Há mais de um ano a camisa 5 é a mais vendida nas lojas de todo o país. “Até reclamam pra mim que não a encontram em lugar algum. Está sempre esgotada”, comenta, orgulhoso. Nem de longe Lugano esperava este reconhecimento quando resolveu deixar a bucólica Canelonis, no interior do Uruguai, para se aventurar em uma metrópole como São Paulo. Do jeitão caipira de Lugano restou muito pouco. "Me acostumei ao agito. Quando eu vou para Canelonis, fico quatro dias no máximo e já quero voltar. Eu gosto de campo, mas já não consigo morar lá”, conta.
E se em sua apresentação Lugano chocou a torcida ao vestir a camisa sério e sem beijar o brasão, hoje, dois anos depois, o símbolo do São Paulo recebe um tratamento especial, com direito a juras de amor. "Hoje eu sou são-paulino", diz o jogador, que afirmou ainda que quando chegou ao Brasil não havia tantos estrangeiros assim. “Hoje deve ter mais do que 20".
O atual técnico do São Paulo, Paulo Autuori, se rasga em elogios. “Ele é disciplinado, raçudo em campo e todos aqui gostam muito dele”, diz. Sobre os melhores zagueiros do Brasileirão serem estrangeiros, Autuori é categórico. “Isso não é novidade. Já aconteceu isso outras vezes, com o próprio Dario Pereyra. No Flamengo teve um paraguaio chamado Reis, e o Figueroa do Internacional. Já virou tradição no Brasil, não é escassez, é apenas uma questão de circunstância”, explicou o treinador.
No São Paulo, Lugano representa mais do que um bom jogador. “Ele é mais. Chegou com preconceito em cima dele, e superou isso. Ele é guerreiro, tem caráter, e soube esperar seu momento. Isso mostra o quanto ele é forte, e por isso tem status hoje de ídolo, porque ele se entrega ao jogo totalmente”, avaliou.
Tanta qualidade fez o São Paulo negar uma oferta milionária. Liverpool, Real Madrid e Sevilla estavam de olho no uruguaio. Mas foi o time inglês quem saiu na frente: 8 milhões de euros pelo beque são-paulino. Proposta tentadora mas negada prontamente pela diretoria do clube, que tratou logo de convencer Lugano de que ainda não era o momento de partir, já que além do valor oferecido ser maior do que a multa rescisória, o zagueiro receberia de salário aproximadamente sete vezes mais do que ganha hoje. Se quisesse, já poderia estar vestindo outra cor de camisa, mas o uruguaio resolveu dizer não. "Oito milhoes de euros é muito para um zagueiro. Kaká foi vendido por 8 milhões! Fiquei balançado. Iria ganhar sete vezes mais. Mas depois de conversar com a diretoria eu entendi o que eu represento para o São Paulo. Além disso tem o Mundial no final do ano, não poderia deixar de jogar”, disse.
Falando em dinheiro, Lugano contou ainda que o Nacional do Uruguai, time que o revelou, ainda lhe deve e muito. O clube exigiu que o zagueiro "perdoasse" a dívida, se quisesse jogar no São Paulo. Novo e inexperiente, Lugano aceitou a proposta para poder selar sua tranferência para o tricolor. Coisas da imaturidade e inexperiência do jogador, na época com 21 anos. Mas sair do Uruguai era necessário. “Não tem motivação. Os jogadores para você ter uma idéia têm que ter outro emprego, senão não vivem. Não tem estrutura, por isso que o futebol, que já foi campeão do mundo em 1950, não pára de cair”, conta. Para Lugano tudo foi mais difícil. "No Brasil eu comecei por baixo e dei a volta por cima. Acho isso muito importante. Hoje essa dificuldade toda me deixa orgulhoso porque é mérito meu".
COMO FAZER UMA PICANHA A LA LUGANONão pode furar a carne, de jeito algum. Espeto é algo que não se usa para fazer um bom churrasco argentino. Sal só o fino, nada de sal grosso. O "vinagrete" uruguaio é o "chimichurri", feito a base de salsinha, pimentões variados, azeite, alho e vinagre e "segredinhos". O Corte na costela é o transversal e aprecia-se muito neste tipo de churrasco os miúdos, como rim e tireóide. Pode parecer assustador, sim, mas é gostoso.