sexta-feira, 30 de março de 2007

A GAROTA E O BIS

Daniela não tinha mais nada para fazer naquela tarde. Sentia-se mal pela monotonia. Então, para passar o tempo, resolveu arrumar seu armário. Quando o abriu, só havia caixas e mais caixas, empilhadas e mal dispostas, seguras apenas pela porta. Mas uma lhe chamou a atenção: era azul e vermelha, que se destacava, pois era a caixa de um sapato que ganhou de um ex-namorado. Tinha significado. Para ela, aquele pedaço de papelão, todo amassado, era como se fosse uma parte dele que ela podia conservar. Não poderia jogar fora. Pensamentos como “ele tocou aqui”, ou “naquele dia ele estava tão bonito”, não paravam de pulular em sua memória.

Não demorou muito e ela abriu a caixinha. Dentro dela apenas duas coisas: uma flor seca e um chocolate “bis”. Detalhe: estavam guardados há oito anos.

As pessoas tem essa mania de guardar objetos que nem sempre possuem valia eminente. Apenas para os donos existe a razão. O objeto de estimação alimenta um lado quase sempre positivo nas pessoas. Há gente que guarda papel de bala, pedaço de cabelo, retalhos de uma roupa, pedacinhos de momentos felizes. Há quem engavete o primeiro sutiã, uma calculadora que ganhou em um sorteio, uma bolinha de papel alumínio “ganha” em uma festa de aniversário pelo pai, bilhetes de viagem, de cinema, de boliche. Trata-se de uma infinidade de coisas frívolas, mas com uma carga de lembranças e sentimentos enorme. Faz com que você ateste seu passado, para que ele seja capaz de ser vivido quantas e quantas vezes você quiser e precisar.

Mas tem aquelas coisas que você guarda e nem sabe direito o por quê. Uma amiga minha de faculdade, por exemplo, conserva um caroço de pêssego e não sabe explicar o motivo. Diz ela que acha bonito, mas não se lembra do significado que tinha a princípio. No entanto, não consegue se desfazer dele. Aí, a semente fica lá, reservada, com uma grande chance de se tornar importante um dia qualquer. Mas hoje não tem a menor relevância.

Agora, voltemos a falar de Daniela. Ela tinha até esquecido daquela caixa. Se a tivesse jogado fora, provavelmente não lembraria que a ganhou um dia, e que nesse mesmo dia passou um momento feliz. O “bis”, coitado, de oito anos atrás, sobreviveu heroicamente, resistiu ao tempo. Quando a embalagem foi aberta, o ancião chocolate se decompôs. E esfarelou, assim como o amor que Daniela sentiu um dia.

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