terça-feira, 24 de junho de 2008

E por falar em 58...

O que você vai ler agora era para ser uma entrevista, só que acabou virando um desabafo surpreendente de alguém que fez muito pelo futebol. Nilton Santos em campo parecia tantos, que encanto era! Como pode então o mestre exigir uma coisa dessas a essa altura da vida? Em seu aniversário de 80 anos, envolvido por sua melancolia genial, o mestre pediu sossego. Quer praia, água de coco e a companhia de seu cachorrinho vira-lata.

“Quero ser esquecido!"

AOS 80 ANOS, NÍLTON SANTOS, NÃO QUER HOMENAGENS, QUER SOSSEGO. NUM DESABAFO INÉDITO, ELE REVELA UMA MÁGOA COLOSSAL COM O MUNDO DO FUTEBOL E OS PUXA-SACOS DE PLANTÃO. E NÃO O CHAMEM MAIS DE ENCICLOPÉDIA!

Por Joanna de Assis

O sr está completando 80 anos. Nós queríamos prestar uma homenagem...

(interrompendo) Já passei um monte de aniversário e ninguém me ligou. Mas agora é 80 anos, né? Não quero homenagem alguma! O Botafogo inventou isso, mas eu não estou interessado! Não sou herói. Quem vai para a guerra é que é, não eu. Eu quero ser esquecido!

Mas...

Tem gente que me conhece e acha que é meu amigo, Não é meu amigo! Quero que respeitem a minha idade! Os caras da minha época já foram... só resta eu. Já passou! Eu como e durmo em cinco minutos porque sempre fiz o bem... fiz o bem para muita gente! Mas não acredito em Deus, tenho a minha religião.

Os telefone toca aqui o dia todo... não agüento mais! Toca às 5 horas da manha! Eu não tenho sossego! Eu nem atendo... Aliás, nem sei porque te atendi.

"Eu quero tranqüilidade! Ficam me chamando de Enciclopédia do Futebol. Que Enciclopédia o quê, o cacete!"

O sr tem alguma mágoa do futebol?

Não tenho mágoa. O futebol me salvou. Eu era filho de pescador. Mas foi uma fase. Não quero viver isso para o resto da vida. Já foi! Comprei uma casa em Araruama, onde eu atravesso a rua e estou na praia. Era isso o que eu queria pqra mim, mas quase não tenho tempo de ficar lá. Aí, a prefeita me chamou para fazer uma campanha: "Remédios a 1 real". E eu fui. Eu e mais três ex-jogadores. Só que o pessoal falta. E eu não posso faltar. Nílton Santos não pode faltar! Eu não dou entrevista, mas não sou mal-humorado. Só que, se eu não desabafar com você, meu bem, eu enfarto... sério. Ficam me ligando e perguntando das Copas de 1950, 54... Vai pesquisar!!! Querem ganhar dinheiro em cima de mim? Não falo mesmo. E aí depois ficam me chamando de mascarado. Safados, sem-vergonhas! Querem ganhar dinheiro comigo? Aí, eles devem falar que eu sou esclerosado... Eu vivi em um meio danado, sei como são as pessoas.

O sr ainda acompanha o futebol?

Sou desligado para caramba, não acompanho nada. Pode ser que seja velhice. Mas não acompanho jogo nenhum. O que a gente vê aqui é resto! Os bons estão lá fora. Na minha época não era assim, não.

Quando o Dino ia para a Itália, ele falava assim: "Garrincha, tenho chance ir para lá (Itália). Passa a bola para mim, para eu fazer gol?"... Aí, o Garrincha driblava todo mundo e passava a bola para ele. Aí, eu falava: "Não vai dar nada para o Garrincha, não?" Eu falava na brincadeira, mas era sério. Para o Garrincha nada? Ninguém dava nada mesmo. Eles estão lá até hoje. Devem estar ricos.

O sr...

Eu queria mesmo era viver isolado. Mas hoje estou aqui, na Senador Vergueiro, na praia do Flamengo. Mas a culpa é minha. Eu que quis ajudar o governo. É um bem que eu faço pela velhice. Negar, faria de mim um bandido. Mas eu quero ficar isolado. Minha vida foi muito agitada: Seleção, Botafogo, viagens... Minha mulher sabe disso. Hoje eu acordo cedo e vou para a praia. Eu e o "Podi", um viralata que vive comigo (foi um cachorro atropelado que a mulher encontrou na rua) Ele é esperto viu? Precisa ver... Afinal, é melhor um cachorro amigo do que um amigo cachorro, né? Porque eu já tive muitos amigos cachorros. Pô, tô sozinho. Não tem mais ninguém da minha época. Aí, ficam te perguntando: "Lembra de 1948"? Porra, se eu não me lembro, sou mascarado... É uma bosta isso!

Quais as funções que o sr recebeu agora no Botafogo?

No Botafogo, eu não queria aquela incumbência de ter de ir lá. Mas aceitei. Vou de vez em quando, para falar com os atletas. Mas está cheio de gente enciumada... Fui na vitória do Botafogo diante do Vasco, parecia que eu havia jogado! Ah, Nílton, você é pé quente! Sim, sou pé quente mesmo, nunca perdi uma decisão! Tenho 26 títulos... Mas eu vim aqui para torcer, aí vem a pessoa e fala: "Gostou de ganhar?" "Dããããa!, não... odiei, achei uma merda. Eu gosto é de perder". Dá licença, né? Cada perguntinha...

Mas...

Pô, eu vou para a praia, chegam e me falam: "Olha, estou te conhecendo de algum lugar"... Ah fica quieto, né? Se as pessoas soubessem que o que eu quero é sossego... Eu quero tranqüilidade! Quero ser esquecido! Tanta gente que quer aparecer... Por que eu? Aí ficam me falando... "Ah, esse aqui jogou com o Pelé...." Não senhor! Pelé é que jogou comigo; eu já estava lá quando ele chegou! Ficam me chamando de Enciclopédia do Futebol. Que Enciclopédia o quê, o cacete! Desculpe-me por estar desabafando com você, mas isso está me fazendo um bem enorme... Se eu não falar, eu enfarto, sério! Pô... Chegam para um menino de 10 anos e me apontam: "Sabe quem é ele, Zezinho?" E eu fico ali... Feito um boneco, olhando para os dois. Pô, não sou retardado! É claro que o moleque não sabe!!! Olha, me desculpe de novo, mas eu precisava falar. Agora vou parar porque isso já está me cansando... Tchau!"

11 comentários:

Anônimo disse...

Essa entrevista tinham que colocar nas ²faculdades de jornalismo"! Simplesmente deixou o entrevistado falar...normalmente nao deixam... Love You!

Anônimo disse...

Interessante ler uma entrevista como esta em tempos que muitos jogadores clamam por um lugar ao sol dentro da imprensa esportiva.
Nilton Santos foi/é um dos monstros do futebol, e poderia vangloriar-se por isso até hoje, mas por sua humildade e personalidade, prefere ser "esquecido".
Muitos jogadores atuais, tratados como craques, não engraxam a chuteira de Nilton Santos, futebolisticamente falando, mas postulam-se como tal, graças à bajulação que recebem da mídia.
Deixemos então o Sr. Nilton Santos descansar em Araruama.
Porém, esquecer seus feitos será difícil, afinal 26 títulos são para poucos, bem poucos.

p.s: Só estou imaginando o telefone do Sr. Nilton na próxima segunda-feira, quando comemora-se 50 anos da primeira Copa conquistada pelo Brasil, tocando incessantemente. Torço para que ele esteja em Araruama, e que lá não tenha telefone ou sinal de celular..Rsrsrs...

Léo Gomide

Pá e Bola disse...

Interessante ler uma entrevista como esta em tempos que muitos jogadores clamam por um lugar ao sol dentro da imprensa esportiva.
Nilton Santos foi/é um dos monstros do futebol, e poderia vangloriar-se por isso até hoje, mas por sua humildade e personalidade, prefere ser "esquecido".
Muitos jogadores atuais, tratados como craques, não engraxam a chuteira de Nilton Santos, futebolisticamente falando, mas postulam-se como tal, graças à bajulação que recebem da mídia.
Deixemos então o Sr. Nilton Santos descansar em Araruama.
Porém, esquecer seus feitos será difícil, afinal 26 títulos são para poucos, bem poucos.

p.s: Só estou imaginando o telefone do Sr. Nilton na próxima segunda-feira, quando comemora-se 50 anos da primeira Copa conquistada pelo Brasil, tocando incessantemente. Torço para que ele esteja em Araruama, e que lá não tenha telefone ou sinal de celular..Rsrsrs...

Léo Gomide

Unknown disse...

muito boa entrevista joana!!!
boa semana para voce!!

Magnifiscent7 disse...

Hahahahaha a entrevista virou catarse!

Anônimo disse...

Tinha de ser você... e justamente na hora em que o seo Nilton resolveu se descompor. Eu o entrevistei em 2003 e não tive essa sorte. Parabéns, Juanita! Isso vai ser publicado? Tem de ser!

Unknown disse...

Eu já tinha lido esta entrevista quando foi publicada na Placar, aliás tenho este exemplar guardado até hoje. Pra mim esta entrevista foi uma das melhores, pra não dizer a melhor, que eu já li na revista. Uma verdadeira aula de jornalismo, aonde o repórter fala o menos possível e deixa o entrevistado desabafar. Uma entrevista crua, verdadeira, sem maquiagens, como as quais estamos acostumado em ver outro dia (tá certo que o "seo" Nílton, nem deixou a Joanna falar...rs). E foi também a partir desta entrevista que eu reparei no nome "Joanna de Assis", a partir daí foi comprar a Placar, procurar as matérias com a assinatura dela e saber que naquelas páginas estaria um material de qualidade. Parabéns Joanna pela bela entrevista (a entrevista é antiga, é verdade, mas acho que o parabéns ainda vale).

Beijos

Junior

Anônimo disse...

que cara chato hein?

Vinícius Barrionuevo disse...

Hahahahaha! Genial! Simplesmente GENIAL!

Rogério/Ruy disse...

Essa entrevista já tem uns dois ou três anos, não? Coitado do Nilton. Deixem o cara em paz, que ele é "monstro do futebol" mesmo e faz por merecer um pouco de sossego.

Um abraço, Joanna (cheguei aqui pelo blogue da Vanessa Ruiz -aliás, as atualizações lá são raras, o que é uma pena).

Anônimo disse...

fake do caralho